Terá mais pudor quem na sombra vive
Desta árvore da vida entristecida,
Pelos homens e mulheres esquecida,
Do que quem neste palco sobrevive?
Esconde uma nudez perfeita
Aos olhos daqueles mais curiosos
Que desconhecem o quão perigosos
São os artifícios que em si deleita.
Cheia de pudor ela vive nua
Para quem só vê sua virgindade
Ao contemplar a bela luz da Lua
Que enfeitiça os que são mais desvairados
E esconde na pele que é só sua
Os que se protegem em mais cuidados.
terça-feira, 30 de abril de 2013
Poética: Arte ou Ciência? IV
A Ciência com Arte
A poética é
uma ciência, ainda que num exercício de racionalização do artístico. Como é o
fundamento basilar da construção da ciência ou da teoria literária, está
revestida de um caráter dominantemente científico. A epistemologia é uma
contribuição filosófica para a questionação e para a problematização científica
e é nela própria que é sustentado o exercício de reflexão e de racionalização
que admite um caminho no sentido de tornar científico o objeto, neste caso, o
estatuto literário dos textos.
Em suma, a poética é uma ciência com
arte, pois para que exista a poética tem, necessariamente, de existir a poesia.
Para que se universalize um conceito que está presente na poesia é preciso,
primeiro, ter arte para compreender a obra artística e, depois, ter a capacidade
de abstração para que se possa concretizar a generalização de um conceito.
Bibliografia
DOLEZEL,
Lubomír, A Poética Ocidental – Tradição e
Inovação, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990
TODOROV,
Tzvetan, Poética, Teorema
ARISTÓTELES,
Poética, Fundação Calouste Gulbenkian,
4ª Edição (2011)
ARISTÓTELES,
Ethica a Nicómachea, Bekker Greek,
Livro VI
PINHÃO,
Maria da Graça, Aristóteles – Vida, Obra
e Pensamento, Editora Planeta De Agostini, S.A. (Coleção Jornal Público)
Poética: Arte ou Ciência? III
A Epistemologia da Poética
A poética aristotélica tem como
tarefa descobrir os atributos essenciais da poesia e ignorar as propriedades
possíveis mas incertas e inconstantes das obras poéticas individuais. A poética
é universalista, pois não se preocupa com a análise ou a interpretação das
obras poéticas concretas. «O cerne da poética aristotélica é construído por
definições ou afirmações sobre universais genéricos»[1]. Segundo
Todorov, “cada texto particular é apreciado como a manifestação de uma
estrutura abstrata. Desta forma, inscreve-se no âmbito geral da ciência e o seu
objectivo já não é a descrição da obra singular, a designação do seu sentido,
mas sim o estabelecimento de leis gerais de que o texto particular é produto.”[2]
Quando a demonstração de Aristóteles
deu lugar à mereologia – estudo lógico de relações entre as partes e o todo e
das relações entre as partes e o interior de um todo – foi dado um grande passo
para que a poética fosse aceite como uma disciplina científica. A mereologia é
extremamente importante para a poética, uma vez que afirma que qualquer ciência
que estude apenas as “partes” sem atender ao “todo” está a dar uma informação
insatisfatória e incompleta.
Assim, a epistemologia da poética
está caracterizada como sendo uma ciência universalista devido à mereologia. A
epistemologia da poética é, assim, válida e aceite como tal.
Poética: Arte ou Ciência? II
A Filosofia Aristotélica da Ciência
Ao aceitar-se que a poética pode ser
uma ciência produtiva é necessário verificar se ela se encaixa na definição
aristotélica de ciência. São três as teses necessárias para um melhor
entendimento da epistemologia da poética:
a) A ciência foca-se apenas nos atributos que são
essências para o reconhecimento do universal, uma vez que o particular não lhe
interessa para a formulação de leis gerais que se possam aplicar a toda a
poesia.
b) Para se sair do particular e ver o universal é
inevitável o uso da indução e do silogismo. O primeiro método faz uma análise
sistemática e excessiva a grupos particulares de uma forma contínua e
expansiva. O segundo método parte de dois pressupostos que se encontram
interligados e faz uma generalização.
c) A ciência tenta elaborar o seu conhecimento
fazendo demonstrações, mas a demonstração é feita com base em axiomas que não
são demonstráveis. Por isso, Aristóteles diz que é a intuição que apreende as
premissas primeiras. Esta intuição é racional e empírica e tem como base a
experiência reunida pela perceção sensorial e pela memória.
É, de facto, verdade que Aristóteles, na sua
obra intitulada Poética, faz uma
descrição o mais universal possível dando apenas uso a determinadas obras
específicas só para demonstrar que a sua definição está empregue. Atentemos no
seguinte exemplo:
«Se houver uma só
personagem, isso não implica, como pensam alguns, unidade de enredo. Com
efeito, numa só pessoa concentra-se uma infinidade de acontecimentos, alguns
dos quais não se podem reduzir a uma unidade; e também há muitas acções de uma
só pessoa com as quais não se forma uma acção única. […] sendo Héracles um só
homem, a sua história deveria ser também uma. Mas Homero, assim como se
distingue no mais, também parece que compreendeu isto bem, devido ou ao seu
talento: ao compor a Odisseia, não
narrou tudo o que aconteceu a Ulisses como, por exemplo, que ele foi ferido no
Parnaso e que fingiu estar louco na assembleia, acontecimentos entre os quais
não existia qualquer ligação necessária ou aparente. Pelo contrário, compôs a Odisseia e igualmente a Ilíada centradas numa acção una, como
nós o entendemos.» [1]
Com este excerto
da Poética verificamos que
Aristóteles formula a definição da “unidade da ação”, baseando-se no
pressuposto da existência de uma só personagem, dando-lhe um caráter universal
e fazendo, depois, a demonstração com base na Odisseia, de Homero.
Poética: Arte ou Ciência? I
A Filosofia Aristotélica do Conhecimento
Do ponto de vista de Aristóteles, o
Homem tem a capacidade de obter conhecimento de cinco formas diferentes: a
arte, o conhecimento científico, o saber prático, o saber filosófico e a razão
intuitiva. Desta forma, pode-se inferir que a poética é classificada como uma
arte, uma ciência ou um saber prático. Para compreender os princípios
epistemológicos da poética é necessário ter conhecimento das definições de
“arte”, “ciência” e “saber prático”, segundo Aristóteles.
É descrito na obra Ética a Nicómaco (Livro VI) que “o saber
prático (…) deve traduzir um estado racional e verdadeiro da capacidade para
agir relativamente aos bens humanos.” Com esta definição depreende-se que a
poesia não é um saber prático, uma vez que esta pertence ao modo do “fazer”
(produção) e não do “agir” (comportamento). Restam, agora, a arte e a ciência.
“A arte identifica-se com a capacidade de fazer e envolve um raciocínio
verdadeiro. Toda a arte tem por objecto dar existência a algo, o objecto último
da arte consiste em descobrir os meios de dar existência a alguma coisa que
pode ser ou não ser e cujo princípio reside no produtor e não na coisa
produzida.”[1]
Neste pensamento, Aristóteles conclui que a poesia é uma arte que produz obras
poéticas e os poetas são exímios nessa arte. Então, se a poesia é uma arte e os
poetas são os mestres dessa arte, significa que os poeticistas, que descrevem a
arte dos poetas, têm uma atividade do domínio da investigação científica. Isto
leva-nos, assim, a acreditar que a Poética,
de Aristóteles é uma ciência. Para o confirmar devemos observar a conceção e a
classificação aristotélica das ciências que se encontra numa visão tripartida:
as ciências teóricas, práticas e produtivas. Esta tripartição é simplificada
porque tem um princípio claro em que as ciências produtivas dizem respeito ao
“fazer”, as práticas ao “agir” e as ciências teóricas à “natureza”. Como a
poética diz respeito ao “fazer”, estamos perante uma ciência produtiva.
A
ciência produtiva e a ciência prática estão intimamente relacionadas com o seu
domínio. O conhecimento que se pode adquirir destas duas ciências pode ser
usado para “agir”, através do saber da ciência produtiva, e para “fazer”,
através da experiência da ciência prática. Isto significa que a diferenciação
entre a ciência produtiva (que diz respeito à poética) e a ciência prática (que
está de mão dada com a arte da poesia) não deve implicar a separação destas
duas atividades, bem pelo contrário.
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